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ECONOMIA: BRASIL PLANEJA ‘CHOQUE’ EM TARIFA INDUSTRIAL

24 outubro 2019

O plano de abertura da economia desenhado pelo governo Jair Bolsonaro prevê um corte unilateral das alíquotas de importação sobre produtos industriais de 13,6% para 6,4%, na média, em quatro anos – o que deixaria o Brasil com níveis de proteção tarifária à indústria equivalentes aos dos países mais ricos do mundo.

Simulação – O Valor teve acesso à simulação feita pelo governo brasileiro e compartilhada com os demais sócios do Mercosul para reduzir a Tarifa Externa Comum (TEC). A intenção do Ministério da Economia e do Itamaraty é avançar nas discussões em encontro de cúpula presidencial do bloco pré-marcado para os dias de 4 e 5 de dezembro, em Bento Gonçalves (RS), com a presença do argentino Mauricio Macri e menos de uma semana antes da conclusão de seu mandato na Casa Rosada.

Primeiro exercício – Pela simulação, que representa o primeiro exercício efetivo nas discussões sobre o futuro da TEC, as alíquotas aplicadas sobre automóveis de passageiros trazidos do exterior devem cair de 35% para 12%. Diminuiria também, de 35% para 12%, a tarifa cobrada de produtos têxteis e vestuário. Em um momento de sobreoferta e excesso de capacidade global, laminados de aço a quente teriam queda de 12% para 4%.

Ônibus – Ônibus passariam de 35% para 4%. O polipropileno, um dos principais bens da indústria petroquímica produzidos no Brasil, baixaria de 14% para 4%.

Corte médio não linear – Integrantes da equipe econômica já haviam dito, em entrevistas, que o Brasil submeteria ao Mercosul um plano de corte médio e não linear da TEC pela metade.

Canal de diálogo – Representantes do setor privado reclamam que, desde então, não têm conseguido abrir um canal de diálogo com o governo para falar sobre o assunto. O que revela a proposta obtida pelo Valor é que, para diversos setores da indústria de transformação, o corte poderia ir muito além de 50% da tarifa de importação praticada hoje. Enquanto isso, o agronegócio ficaria com alíquotas praticamente inalteradas.

Apresentação – O documento foi apresentado ao “Grupo Ad Hoc para Analisar a Consistência e Dispersão da TEC” e ainda não teve resposta dos outros sócios do bloco – Argentina, Uruguai e Paraguai. Há sugestões de alíquotas para 10.270 NCMs, como são conhecidas as nomenclaturas comuns do Mercosul. Cada NCM abrange um produto específico ou uma pequena categoria de produtos.

Todo – Quando se levam em conta segmentos industriais como um todo, o “choque tarifário” também fica evidente: o estudo é de redução da TEC para calçados (31,8% para 12%), equipamentos médico-hospitalares (11,2% para 3,8%), móveis (17,6% para 8,8%), produtos plásticos (10,8% para 4,8%), siderúrgicos (10,4% para 3,7%), máquinas, material e aparelhos elétricos (12% para 4,2%).

Agronegócio – A forte abertura da indústria, no entanto, contrasta com um movimento bem mais tímido de liberalização da agricultura e do agronegócio – justamente os setores nos quais o Brasil tem mais competitividade e, em teoria, não precisaria tanto de proteção.

Vinhos – A simulação feita para a tarifa dos vinhos, cujo polo gaúcho de produção fica em base eleitoral do ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil), é manter a alíquota no mesmo nível da praticada hoje (20%). A TEC para o etanol seria mantida em 20%, o que pode conter a insatisfação dos usineiros do Nordeste, com viés mais protecionista e já contrariados com a ampliação recente – de 600 milhões para 750 milhões de litros – da cota livre de tarifas pelo período de um ano.

Banana – Outro segmento sem mudança é o dos produtores de banana. A tarifa atual é de 10% e ficaria assim. Em março, Bolsonaro fez questão de “pedir desculpas para o pessoal do Vale do Ribeira”, onde passou a adolescência, pelas importações de bananas do Equador.

Reconhecimento – Em 2017, após anos de negociações, o Ministério da Agricultura reconheceu o país andino livre de um vírus apontado como risco fitossanitário ao Brasil. “Como é que pode uma banana sair do Equador, andar 10 mil quilômetros, passando pelo canal do Panamá e pelo porto de Santos, e chegar a um preço competitivo lá no Ceagesp, se a 150 quilômetros de São Paulo você tem o Vale do Ribeira, cuja economia em grande parte é a banana?”, questionou Bolsonaro.

Postergação – Reservadamente, um alto funcionário do governo brasileiro afirma que a iminência de uma derrota de Macri deve postergar o desfecho das discussões sobre a nova TEC. Até meados do ano, segundo essa fonte, Brasília vinha trabalhando com um cenário de reeleição do atual presidente e um clima mais favorável para a maior reestruturação da tarifa comum do Mercosul em 25 anos.

Cronograma repensado – Como essa aposta não vingou e a chapa oposicionista Alberto Fernández-Cristina Kirchner tem ampla vantagem para ganhar já no primeiro turno, nas eleições presidentes deste domingo, o cronograma está sendo repensado.

Imprudente – Segundo a fonte ouvida pelo Valor, seria “imprudente” bater o martelo em torno das novas alíquotas na cúpula do Mercosul e deixar um constrangimento ao novo governo argentino, que toma posse em 10 de dezembro. Agora, a ideia é avançar nos trabalhos e ter uma decisão em estágio adiantado, para ser tomada depois de conversas com o provável governo Fernández sobre o futuro do bloco.

Tarifa comum – Como é uma união aduaneira, mesmo cheia de imperfeições (já que muitos produtos têm regimes próprios ou fazem parte de listas de exceções), o Mercosul pratica uma tarifa comum para importações provenientes de outros países. A visão dominante na equipe econômica é que o corte unilateral das alíquotas deve ser feito com ou sem a Argentina.

Regressão – Se o país vizinho recusar a proposta de abertura, seguindo a tradicional linha kirchnerista de maior protecionismo, haveria uma espécie de beco sem saída para o Mercosul: a união aduaneira precisaria regredir para uma zona de livre-comércio.

Fonte: Portal Paraná Cooperativo