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INTERNACIONAL: QUAIS SÃO AS NOVAS CARTAS DOS BRICS

28 agosto 2019

Em Brasília, nos dias 13 e 14 de novembro, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, os Brics, se reunirão no encontro anual de cúpula que representa um mercado de pouco mais de 3 bilhões de pessoas, um PIB de cerca de US$ 20 trilhões e aproximadamente 30% da superfície do planeta.

Mudança de cenário – Dez anos depois da primeira reunião, na Rússia, em 2009, o cenário dessas economias emergentes mudou. O acrônimo, capa da revista “The Economist” no fim da década passada, quando os emergentes eram vistos como tábua de salvação de uma economia mundial sob o impacto da quebra do Lehman Brothers, vive um novo cenário: desaceleração do ritmo de crescimento, guerra comercial entre Estados Unidos e China, dificuldades na adoção de reformas no Brasil e na Rússia. Apesar das incertezas, os emergentes deverão manter sua posição relevante na geopolítico mundial diante de sua importância para temas como mudança climática. Já o crescimento de China e Índia deverá continuar direcionando a expansão mundial e o ciclo das commodities.

Novidade – Para o Brasil, a reunião de cúpula poderá trazer uma novidade, a inauguração de um escritório regional do banco dos Brics em São Paulo, que promete ter linhas de financiamento e estimular investimentos em infraestrutura. Claudia Prates, que esteve no BNDES, estaria prestes a ser contratada para ser responsável por gerenciar a instituição, segundo executivos, que apontam já estar perto também de fechar a contratação de um advogado no mercado brasileiro.

Potencial – Governadores e prefeituras estão de olho no potencial da instituição e têm visitado a matriz do banco na China oferecendo seus projetos. A promessa é de que poderá se tornar relevante financiador de infraestrutura no Brasil. Em um momento em que o país se aproxima dos Estados Unidos, o banco poderá funcionar como ímã para atrair a balança para o lado dos emergentes, com destaque para a China. No pano de fundo, o país asiático trava uma guerra comercial e tecnológica com Washington, enquanto a União e Estados precisam de dinheiro para bancar obras de infraestrutura, o que poderia dar alento à economia brasileira.

Escritório regional – O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também conhecido como banco dos Brics, poderá abrir, em novembro, em São Paulo, seu escritório regional na América Latina, e uma filial em Brasília. Em 2020, o Brasil deverá presidir a instituição.

Financiamentos – Isso cria a expectativa de mais financiamento de projetos brasileiros, com um trabalho mais próximo entre a instituição, o governo brasileiro e os Estados. Entre 2016 e 2018, US$ 621 milhões em projetos no país foram bancados pelo banco, apenas 8% do total aplicado pela instituição. O Brasil ganha apenas da África do Sul, que recebeu 5% dos recursos. China e Índia respondem por dois terços e a Rússia, por cerca de 20% dos empréstimos. O NDB aprovou, entre 2016 e 2018, 30 projetos num total de US$ 8,1 bilhões.

Crédito em reais – Com a abertura de escritório no Brasil (que dependeria apenas do aval russo), o banco pretende elevar financiamento ao país, com uma novidade: crédito oferecido em reais. “O banco deve continuar evoluindo suas operações no Brasil e a intenção é fornecer financiamento em dólares e em reais, o que poderá reduzir os riscos cambiais para quem toma empréstimo e poderá incentivar o mercado doméstico. Estamos comprometidos em apoiar a agenda de investimentos em infraestrutura do Brasil”, afirma o indiano Kundapur Vaman Kamath, presidente do banco. Ele destaca que na carteira da instituição há US$ 1,1 bilhão em projetos voltados para o Brasil, que poderão receber o sinal verde até o fim do ano.

Desafio – “O grande desafio do novo ciclo do banco será aumentar o número de países membros e aprofundar a vocação de financiador de infraestrutura”, diz Marcos Troyjo, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério de Economia. “Poderá ser um agente importante com o crédito em reais, o que reduz o risco cambial, como em projetos de Parcerias Público-Privadas”, afirma Marina Anselmo, sócia do Mattos Filho Advogados.

Visita – Os governadores do Piauí, Wellington Dias, de Alagoas, Renan Filho, e de São Paulo, João Doria, visitaram o escritório da instituição na China durante missões comerciais de seus Estados entre julho e agosto. “A guerra comercial entre Estados Unidos e China abre uma oportunidade para a China diversificar mercados além dos Estados Unidos”, diz Doria. São Paulo abriu neste mês um escritório internacional em Xangai, na China, para atrair investimentos chineses, principalmente em relação ao plano de privatização e concessão do governo paulista. “Vamos estruturar operações que permitam investimentos tanto no setor público quanto investimentos feitos pela iniciativa privada”, afirma Renan Filho.

Evolução – “O banco deve continuar evoluindo suas operações no Brasil, e a intenção é fornecer financiamento em dólares e em reais”, afirma Kamath, presidente do NDB O Brasil, como um dos cinco acionistas do NDB, já aportou US$ 1 bilhão até 2019 e deverá destinar mais US$ 1 bilhão para a instituição até 2022. O banco já recebeu aportes de US$ 5,3 bilhões de seus sócios fundadores, e a meta de integralização do capital até 2022 é de US$ 10 bilhões. “É o único banco em que o Brasil tem poder igualitário de voto, entre os vários de que o país é acionista”, afirma Luciana Acioly, técnica de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e autora de um estudo sobre o banco.

Inovação – A instituição é uma das principais inovações desde a criação da ordem financeira internacional originada em Bretton Woods, que criou o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Tem funções semelhantes às duas instituições multilaterais.

China e Índia – O novo posicionamento do banco também poderá estreitar o investimento de China e Índia no mercado de infraestrutura brasileiro. Quando se concedem os financiamentos, não há cláusulas para favorecer empresas cujas matrizes estão nos Brics, mas o contato estreito dos governos nas missões comerciais poderá fazer com que empresas desses países ganhem ainda mais espaço no Brasil. Em dez anos, os dois países passaram a ter uma posição importante, com destaque para o setor de energia.

Transmissão – A gigante chinesa State Grid avançou além da área de transmissão, em que já é uma das líderes, adquirindo o controle da CPFL Energia por R$ 13 bilhões. Desde 2013, a CTG investiu R$ 23 bilhões no Brasil, principalmente em aquisições, com o grupo possuindo hoje pouco mais de 8 GW de capacidade, segundo maior “player” privado do setor de energia no Brasil. Já em transmissão a indiana Sterlite arrebatou projetos que demandarão R$ 7 bilhões em investimentos, com o Brasil se tornando seu maior mercado fora da Índia. Já os russos estão também de olho no mercado nacional. A Rosatom observa oportunidades em energia nuclear e a RZD no setor ferroviário.

Guerra comercial – Em paralelo, a guerra comercial entre China e Estados Unidos cria oportunidades para o Brasil diversificar sua pauta de exportações e o desafio de o país ter de equilibrar-se entre os dois países, que juntos respondem por cerca de 40% do PIB mundial. “As oportunidades de desenvolvimento nos próximos anos parecem estar na Ásia, com destaque para a China e seu círculo de influência. A China é um grande investidor no Brasil”, diz o ex-ministro da Fazenda e diretor da Faap Rubens Ricupero, para quem a aproximação recente com os Estados Unidos tem de ser vista com cautela.

Atenção – No Palácio do Planalto e no Itamaraty, o relacionamento com os Brics é visto como mais um dos que o Brasil deve tratar com atenção. Hoje o país estaria em uma posição diferenciada na geopolítica mundial, sem ter prioridades, mas podendo estreitar laços com nações desenvolvidas e emergentes. O eventual ingresso na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o acordo Mercosul-União Europeia, o estreitamento das relações com os Estados Unidos e a participação nos Brics proporcionam diversas chances de diversificação da pauta comercial.

Planos simultâneos – “Esse acesso a vários mercados dá oportunidades únicas para elevarmos nosso comércio e recebermos mais investimentos, então trabalhamos em vários planos simultâneos, sem nos prender em nenhum”, diz um assessor graduado do governo federal.

Novo impulso – Essa fonte aponta que o comércio com China e Índia deverá ter um novo impulso nos próximos anos a partir das mudanças que atingem a economia chinesa, que vai gradualmente ter custos de produção mais altos, o que poderá fazer com que linhas de produção migrem para outros países da Ásia. Com relevante presença da indústria de tecnologia de informação, a Índia é um dos que poderão receber investimentos. Isso coincide com a ascensão da classe média indiana, que ainda tem 20% na linha de pobreza. “O Brasil poderá continuar exportando metais e agronegócio para a China e para a Índia. A pergunta é se iremos sofisticar nossas cadeias de produção”, observa a fonte.

Mercosul-UE – O acordo Mercosul-União Europeia poderá contribuir para um impulso em avançar nos mercados emergentes com produtos de maior valor agregado. O acordo levará dez anos para atingir a desgravação total de uma série de produtos, o que dá tempo para o país fazer a lição de casa. “É uma maratona que tem data para chegar ao fim e nós precisamos estar preparados para chegar bem a ela. A agenda é fortalecer nossa economia ao longo desses anos”, diz um assessor do governo.

Agronegócio – O agronegócio brasileiro também acompanha de perto o xadrez geopolítico internacional. Em setembro, os ministros de Agricultura dos Brics se reunirão na cidade de Bonito, em Mato Grosso do Sul. O acordo Brasil-Mercosul não arrefeceu os ânimos em relação aos emergentes. Em 2000, um ano antes de seu ingresso na Organização Mundial do Comércio (OMC), a China representava menos de 5% das exportações agrícolas brasileiras. Hoje esse percentual pulou para cerca de um terço.

Demanda – A China responde por 80% das exportações de soja do Brasil. A expectativa é de tratar mais assuntos bilaterais no encontro a ser realizado em setembro, avalia o secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Orlando Leite Ribeiro. Na pauta, ampliação da exportação de proteínas animais e a inserção de novos produtos, como frutas. Em carnes, a China enfrenta problemas com a peste suína africana.

Classe média – “A ascensão da classe média chinesa continua, mesmo com um ritmo de crescimento mais baixo que nos anos anteriores, e a Índia também vive o mesmo fenômeno”, observa o secretário. A população abaixo da linha da pobreza caiu de 66% na China em 1990 para menos de 5% em 2015; na Índia, a queda foi de 45% para 22%. Mais renda no bolso significa mais gastos com alimentação e com uma dieta com mais carne e produtos diferenciados como frutas secas. “Há oportunidade de exportar frutas secas para esses países e estamos buscando contribuir para a Índia investir em etanol, o que poderá fazer com que eles tenham menos açúcar produzido”, afirma Ribeiro.

Apelo e vigor em alta – Para o diretor do grupo de estudos do G20 da Universidade de Toronto, John Kirton, apesar de incertezas sobre o crescimento de Brasil e Rússia e menor ritmo de expansão em Índia e China, o apelo e o vigor dos Brics têm crescido. “O papel deles será maior no Brasil, a pergunta é se será benéfica ou maléfica essa influência”, diz. Para ele, os emergentes são cruciais na discussão de mudanças climáticas, a principal razão existencial do planeta nas próximas décadas. “As emissões de poluentes globais e a questão do desmatamento na Amazônia são peças essenciais do xadrez geopolítico global. Também será preciso ver como China e Rússia tratarão sua aliança militar.”

Novos membros – Kirton observa que o grupo de cinco nações emergentes deverá ganhar novos membros nos próximos anos, com a possibilidade de ingresso da Indonésia, da Turquia e até talvez da Nigéria. “Deverá haver um avanço institucional, o Novo Banco de Desenvolvimento deverá aprofundar sua atuação com a China, podendo se resguardar de eventuais dívidas não pagas com a instituição que operaria em moldes do que o FMI faz em crises econômicas com países não solventes”, afirma o economista canadense.

Cenário mundial – O cenário mundial de hoje é bem diferente do que era dez anos atrás. China e Estados Unidos agora duelam comercialmente. O governo de Donald Trump anunciou recentemente alta de 10% sobre US$ 300 bilhões em exportações chinesas para os Estados Unidos. A notícia pode trazer oportunidades para o Brasil, diz Kirton. “O Brasil tende a substituir exportações agrícolas americanas, o desafio será ganhar espaço em fornecer bens industriais para a China, mas isso dependerá da competitividade da indústria brasileira e da sua infraestrutura para escoar esses produtos.”

Ritmo de crescimento – Índia e China ainda mantêm suas economias crescendo a ritmo superior a 5% ao ano. Brasil, Rússia e África do Sul têm enfrentado problemas. No ano passado, a economia russa cresceu 2,3%, melhor resultado desde 2013, por causa dos preços mais altos do petróleo e as obras para a Copa do Mundo de Futebol, mas prevê-se redução do ritmo a partir deste ano.

Expansão – Apurva Sanghi, líder do Banco Mundial em pesquisas da Rússia, aponta que o país deve expandir-se em 1,2% neste ano e 1,8% em 2020 e 2021. As exportações de óleo e gás respondem por metade dos embarques do país. A política de cortes de produção da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e aliados da Rússia têm cortado pouco mais de 1 milhão de barris por dia.

Índia – Já a Índia tem crescido nos últimos cinco anos acima de 5% anuais. Previsão da IHS Markit aponta que o país pode superar o Reino Unido neste ano com uma riqueza anual superior a US$ 3 trilhões e se tornar a quinta maior economia mundial. O salto continuaria e em 2025, com um PIB de US$ 5,9 trilhões, o país ultrapassaria o Japão, tornando-se o terceiro maior PIB mundial.

Desafios ambientais – “A Índia enfrentará grandes desafios ambientais, mas já começa a realizar a transição de sua matriz energética de carvão para fontes renováveis”, afirma Kirton. O país também deverá ganhar nova projeção internacional, em sua visão. Além de ter se mantido distante de conflitos perto de sua fronteira, o país tem aproveitado o vácuo criado com a decisão russa de anexar a Crimeia em 2014 e a consequente suspensão do G7. “A Índia participa como convidada na reunião do G7, o que pode fazer com que ela se torne membro desse grupo antes de a Rússia voltar a viver uma democracia de fato”, diz o economista canadense. O G7 se reúne entre amanhã e segunda na cidade francesa de Biarritz.

Participação maior – Quase duas décadas após Jim O’Neill ter criado a sigla dos Brics, os cinco países hoje aumentaram sua participação no comércio global, resultado principalmente do dinamismo das economias chinesa e indiana. Na primeira reunião de cúpula, há dez anos, o grupo reunia uma riqueza de US$ 9,4 trilhões, cerca de 15% do PIB global, com a China respondendo por cerca de 55% do PIB do grupo. Em 2018, os cinco emergentes respondem por um PIB de US$ 20 trilhões, sendo que a China responde por quase 70% desse montante.

Conflito – O país asiático tem travado um conflito com os Estados Unidos, apesar da interdependência das duas economias, seja pela China deter boa parte dos títulos de Tesouro dos Estados Unidos, seja por ter relevante participação na produção de bens vendidos na maior economia mundial.

Consequências – “A interdependência sino-americana avança suas consequências para a Ásia manufatureira e estende sua influência à África e à América Latina, não só como fontes provedoras de matérias-primas, mas como espaço de expansão de empresas chinesas que iniciam um forte movimento de internacionalização. Está claro que os chineses ensaiam cautelosa, mas firmemente a internacionalização do yuan ao ampliar a conversibilidade financeira e multiplicar rapidamente os acordos de troca de moedas com seus parceiros comerciais mais importantes”, afirma o economista Luiz Gonzaga Belluzzo.

Fonte: Portal Paraná Cooperativo