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Os efeitos da pandemia na pecuária dentro e de fora da porteira

8 julho 2020

 

Se existe uma certeza entre os pecuaristas, é que todo ano surge um novo desafio. Assim, 2020 começou com boas perspectivas para a pecuária e, logo nos primeiros meses, a chegada da pandemia do COVID-19, trouxe turbulências no mercado. Passados os primeiros meses, as perspectivas apontam cenários positivos, com preços puxados pelo mercado internacional. Para entender os impactos que esse movimento causou na atividade pecuária, nossa reportagem conversou com três pecuaristas, que contaram quais foram as medidas adotadas para preservar o bem estar de sua equipe, a qualidade da produção e falaram sobre as expectativas para o mercado. Foco na segurança da equipe e na eficiência produtiva O cooperado Guilherme Pimentel, de Bauru, atua com cria, recria e engorda de gado em na região de Três Lagoas, MS. A família está há 38 anos na atividade e, nos últimos 6 anos, passou a intensificar a produção, adotando uma pecuária mais moderna. “Nós começamos 2020 com perspectivas muito boas para a pecuária e acreditamos que iria melhorar mais, por causa da alta do dólar e aumento das exportações do país. Com a chegada da pandemia, focamos na segurança da equipe e mantivemos o foco na eficiência produtiva, para aproveitarmos as oportunidades do mercado internacional”. Assim que teve notícia da pandemia, Guilherme decidiu antecipar as compras de insumos, com receio de que faltasse algum produto no mercado. “Ainda antes do carnaval, quando nada disso tinha estourado aqui no Brasil, antecipamos as compras”, relata. Quando o COVID-19 chegou no país, o produtor já estava preparado. Ele conta que teve que mudar a rotina na propriedade, evitando ao máximo que os funcionários fossem para a cidade, para preservar a saúde de todos os colaboradores e evitar a disseminação da doença. Também está controlando as visitas de veterinários, agrônomos e profissionais de fora na fazenda. Por outro lado, nada muda em relação às práticas de produção. “A gente não abriu mão do pacote tecnológico que a fazenda já vem adotando nos últimos 6 anos. Leva muito tempo e toma muito investimento chegar onde nós chegamos, com um nível de tecnificação, suplementação a pasto na recria, confinamento todo com automação. Por isso estamos mantendo nosso manejo e apostamos nas altas da arroba para o segundo semestre, devido a escassez de gado confinado e ao aumento das exportações”, informa Guilherme. Superando mais um ano conturbado O cooperado Frederico Assunção Salles, Engenheiro Agrônomo e pecuarista da região de Frutal, MG, pratica uma pecuária bem tecnificada, com recria e engorda de gado em sistema de pastejo rotacionado em semi-confinamento. Há 8 anos na atividade, ele aprendeu que é preciso estar preparado para lidar com as turbulências desse mercado. “Que todo ano na pecuária é um ano atípico, já sabemos… cada ano com uma bomba diferente, operação carne fraca, vaca louca, etc. Mas esse ano de 2020 realmente veio mais atribulado que o de costume”, avalia. Para ele, a incerteza do consumo de carne nesse período de pandemia e no pós-pandemia, ligado diretamente à situação financeira da população, deixa os produtores extremamente inseguros com relação ao mercado. “Historicamente temos uma proporção de 70% a 80% de consumo no mercado interno, que deve sentir muito a crise financeira causada pelo Coronavírus. Por outro lado, estamos vendo uma escassez de proteína animal no mundo. A peste suína dizimou metade do rebanho suíno da China, que equivale a 30% dos porcos do mundo. A gripe aviária também vai aos poucos liquidando um grande número de aves Europa afora. Ou seja, nesse contexto, a pecuária brasileira aparece como umas das únicas opções com oferta de quantidade e qualidade de proteína animal no mundo”, analisa o cooperado, atento à conjuntura mundial. O câmbio valorizado também contribui para tornar a carne brasileira ainda mais competitiva. Fatores que somados ao grande aumento na capacidade de exportação, fruto de atitudes do governo que conseguiu habilitar mais um grande número de frigoríficos para exportar para o gigante asiático, coloca o Brasil em uma situação otimista quanto à demanda externa. Seguindo esse contexto, o produtor já começa a enxergar o reflexo do vírus no mercado. “Frigoríficos já estão ofertando deságio de até R$ 15,00 por arroba no boi acima de 4 dentes, que teoricamente fica para consumo do enfraquecido mercado interno. Enquanto isso, o “Boi China”, animal com até 4 dentes, continua firme beliscando os R$ 200,00 por arroba e sonhando com voos mais altos”, visualiza Frederico. Outro ponto positivo que o cooperado destaca é a fase de alta de preços na pecuária, marcada por bezerros valorizados, retenção de matrizes e principalmente baixa oferta de bois gordos. “Acredito que esses fatores podem amenizar o impacto negativo da redução do mercado interno. Fazendo um balanço geral, acredito que mesmo diante de um cenário tão delicado, ainda teremos um ano positivo para a pecuária como um todo”. Bom momento para a pecuária leiteira O cooperado Roberto Jank é pecuarista de corte e leite, além de atuar na produção de frangos e na citricultura, na região de Descalvado, SP. Ele é reconhecido por estar à frente da indústria Letti, especializada em levar ao mercado leite do tipo A. “No nosso caso, em que usamos apenas nos canais tradicionais de varejo e atuamos pouco em em food service, a pandemia não afetou muito o consumo, que permanece igual. Temos um aumento de custos importantes da soja e do milho, o que aumentou o custo da ração. As condições climáticas também não vinham muito favoráveis. Tudo isso desestimulou a produção leiteira no Brasil e o preço do leite está muito bom. Para nós, essa parte está normal”, avalia Jank. Segundo o produtor, o que mais afetou a produção é a preocupação com a saúde dos trabalhadores. Por isso, tomou diversas medidas de controle da entrada das pessoas na fazenda, que permanece fechada, com protocolos para as entregas, e para os funcionários que vêm da cidade. “Em nosso rebanho e na nossa indústria, nós aumentamos o controle. As pessoas estão longes umas das outras, usando máscara, álcool gel, seguindo todos os protocolos para evitar a disseminação do vírus. No mais, tudo funcionando de forma normal, apenas com mais controles e cuidados do que o usual”, informa Roberto. Sobre o futuro, o produtor teme o que pode surgir em decorrência da crise sanitária. “O meu receio é que a situação econômica se agrave, com o endividamento da população, e que a gente entre em uma espécie de depressão econômica, pois estamos alongando um período de deflação. Isso tudo vai depender de questão sanitárias que ainda são incertas para todos nós”. Apesar do receio, Roberto informa que, de modo geral, diante do cenário econômico, os planos de investimento até o momento, não foram alterados pela pandemia. “No caso da pecuária de corte e frango, eles seguem bem. O boi segue com preços altos, fora da curva, e estamos atuando bem, sem nenhum tipo de alteração nos planejamentos”, finaliza.