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Produtores de aves fecham ano com bons resultados, mas de olho em sanidade e custo alto

10 dezembro 2020

As estatísticas do Ministério da Agricultura mostram que as exportações de carne de frango, de janeiro a outubro deste ano, somaram 3,414 milhões de toneladas, volume abaixo (-1,5%) do registrado no mesmo período de 2019. A receita recuou 14%, para US$ 4,982 bilhões, mas, graças à valorização do dólar, houve um ganho de 12% em reais. O destaque foi a China, que aumentou suas importações em 23%. Dilvo Grolli, presidente da cooperativa Coopavel, sediada em Cascavel (PR), calcula que o custo de produção aumentou R$ 0,50 por quilo do frango vivo, o que refletiu em alta de 3% a 4% no preço ao consumidor brasileiro. O auxílio emergencial concedido pelo governo federal, no entanto, ajudou a manter estável a demanda interna. Mesmo com os bons resultados, os dirigentes do setor reclamam da falta de investimentos em estradas, ferrovias e portos, para aprimorar a logística e viabilizar a expansão da produção, das vendas no mercado doméstico e das exportações. Para conhecer de perto a realidade do setor, a equipe da Globo Rural percorreu em novembro 1.734 quilômetros de estradas a partir do oeste paranaense, em mais uma etapa do projeto Caminhos da Safra, uma série especial de reportagens sobre a logística do agro no país. A equipe viajou de Santa Terezinha do Itaipu até Paranaguá, com paradas em São Miguel do Iguaçu, Cascavel, Guarapuava e Lapa, onde entrevistou produtores, cooperativas e indústrias, sempre respeitando as regras impostas pela pandemia da Covid-19. Nos 1.734 quilômetros rodados, a reportagem trafegou pelas rodovias BR277,BR-373,BR-376 e BR-476, passando por 20 pedágios, a um custo de R$ 249,80, sentindo na pele um dos principais gargalos do setor: o pedágio mais caro do Brasil. Segundo o presidente do Sindicato das Indústrias de Produtos Avícolas do Paraná, Irineo da Costa Rodrigues, que também preside a cooperativa LAR, os gastos com transportes representam cerca de 13% do custo de produção do setor, sendo cerca de 5% da granja à indústria e mais 8% após a industrialização, na etapa de comercialização até os portos e centros consumidores. Angelo Antonio Grigio, criador de aves em Santa Terezinha do Itaipu, é um dos cooperados da LAR. Para entrar nos dois aviários que, juntos, produzem 39 mil frangos, é preciso colocar roupas descartáveis da cabeça aos pés, incluindo a máscara, único item que não fazia parte da indumentária, mas que foi incorporada a partir da pandemia de Covid-19. “Não adianta tomar todos os cuidados com qualidade da ração, da água, da climatização se não tiver controle rigoroso para estar aqui dentro”, reforça Grigio. O risco de uma única ave ser contaminada pode comprometer toda a linha de processamento de uma planta e, no caso da unidade de Cascavel da LAR, são cerca de 200 mil abates por dia. Grigio conta que, ao concluir a criação, tem retorno de cerca de R$ 1,25 por cabeça, mas há custos fixos, como a amortização do investimento no barracão, que leva dez anos. Cada um dos aviários custa em torno de R$ 800 mil seguindo o padrão da LAR, mas a cooperativa se compromete a compensar o valor ao fornecer pintinhos, ração, vacinas e assistência técnica. Em que pesem despesas fixas e variáveis, o produtor pondera que é possível lucrar entre R$ 10 mil e R$ 20 mil a cada finalização, sendo de cinco a seis lotes por ano. A 580 quilômetros dali, no município de Lapa, o produtor Flavio Hoffmann aposta na tecnologia para incrementar a produção. Enquanto na década de 1990 o pai produzia cerca de 15 mil aves no manejo manual, em julho de 2020 o filho bateu o recorde de criação, ao alcançar 80 mil cabeças em 27 hectares. Fornecedor do frigorífico JBS, o produtor percebeu a oportunidade da produção expansiva ao alcance da palma da mão. Além da mecanização automatizada, Hoffmann mostra um aplicativo que possibilita fazer toda a gestão do aviário à distância, como o controle da iluminação e da ventilação. “É uma possibilidade de trabalhar o conforto da ave de forma muito melhor”, afirma. Ele conta que, com o auxílio da internet, o aplicativo possibilita verificar umidade, pressão, controle dos exaustores, entre outras tarefas. “É possível controlar quanto tempo eu quero que fique ligado o exaustor ou desligado, para renovação do ar. Você não precisa estar sempre na frente do painel físico para fazer ajustes e já vai alterando conforme a necessidade das aves, o que me faz também ganhar tempo.” Mas o produtor ainda faz parte de uma minoria, pois, de acordo com a JBS, apenas 18% na região de Lapa adotam esse perfil de infraestrutura, que exige um galpão de cerca de R$ 1,5 milhão. Já o preço de mercado da região é cerca de 25% inferior ao que é pago nas redondezas de Foz do Iguaçu. Preocupações com sustentabilidade e tecnologia tornam a agregação de valor algo factível. Dilvo Grolli, presidente da Coopavel, diz que a receita da venda de carnes é 15% maior que a de grãos no Paraná. Ele explica que, enquanto a tonelada de milho e de soja é vendida a US$ 250 e US$ 440, respectivamente, a tonelada do frango sai por US$ 2 mil. “Você agrega quatro a cinco vezes mais valor, aumentando a produtividade na mesma área, sem agredir o meio ambiente”, diz, ao apontar que Toledo, Castro e Cascavel estão entre os dez municípios com maior Produto Interno Bruto (PIB) Agropecuário do Paraná. No frigorífico da Coopavel, onde a proteção das roupas também é rigorosa, rodam até 2 mil frangos por hora na esteira manual e até 6 mil frangos a cada 60 minutos na linha automática, onde eles passam de forma aérea, literalmente por cima de nossas cabeças. A linha de produção gira 15 horas por dia, considerando dois turnos, o que resulta em cerca de 220 mil abates diariamente. O volume, no entanto, é 25% menor em relação a 2019, reflexo da Covid-19. “Chegamos a fazer 180 mil abates no começo da pandemia, pois houve redução de abate, por causa do distanciamento entre pessoas. Agora, estamos retomando, estamos com 220 mil, mas nosso potencial é entre 270 e 280 mil abates”, detalha Dilvo. Na linha de produção, os frangos são separados nas esteiras em ganchos verdes, amarelos, vermelhos e azuis, para indicar o destino dos diferentes cortes, além de passarem por etapas de higienização constante. Em ambiente para tratamento térmico a 39 ºC, os cortes manuais são feitos com facas esterilizadas a cada 15 minutos a uma temperatura de 85 ºC e a carcaça é transferida de um ambiente quente para, logo em seguida, ser resfriada a 4 ºC. Depois dos cortes embalados, na etapa seguinte entra em ação a Cotriguaçu, central de cooperativas responsável por recepcionar produtos congelados, auxiliar na logística de distribuição de contêineres refrigerados e também pelos embarques, tanto em caminhões que irão estrada afora como em vagões ferroviários. “A gente pergunta para as cooperativas qual é o destino e qual armador, aí faz um rateio. A gente levanta do TCP o contêiner vazio, vem para cá e começa a distribuir a cadência”, explica Edson Vidal, gerente da unidade de câmara frigorífica da Cotriguaçu, ao se referir ao Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP). A Cotriguaçu opera 3.500 contêineres de proteína animal por mês, sendo em torno de 1.100 pela ferrovia e o restante por rodovia. A quantidade não mudou durante a pandemia, mas, segundo ele, os embarques tiveram alteração de destino. “O volume que a gente vem fazendo está normal, mas as exportações com destino à Ásia aumentaram: 60% dos destinos estão na Ásia, como China, Japão, Hong Kong”, diz Vidal. Em relação à diferença entre modais, o gerente da Cotriguaçu diz que o tempo de chegada pela rodovia é mais rápido, mas também mais caro. Em 500 quilômetros, enquanto o caminhão chega ao porto no mesmo dia, a ferrovia leva cinco dias com menos custos. “É mais barato, então mesmo demorando mais vale mais a pena.” Vidal lembra que, além das vantagens econômicas, há também o ganho ambiental. “Mas a ferrovia não consegue absorver todo o volume que temos hoje, por falta de eficiência e investimento do governo. Está no limite, no gargalo, não consegue fazer mais do que estamos fazendo”, lamenta. Para ele, a ferrovia tem uma tendência de melhora de preço inclusive porque a carga, ao ficar mais tempo na ferrovia, tende a representar menos tempo no pátio do porto. Dilvo Grolli, presidente da Coopavel, observa que o Paraná está estrategicamente posicionado entre os grandes produtores da Região Sul e próximo ao alto nível de consumo do Sudeste. No entanto, para que esses trajetos sejam viabilizados, o setor de aves depende majoritariamente das rodovias, e esse modal é 35% mais caro que o ferroviário, diz ele. Segundo Grolli, o custo é de R$ 3,5 mil por contêiner pela ferrovia e de R$ 5 mil pela rodovia. Mas, para que a ferrovia seja mais explorada, é preciso haver uma reforma estrutural. “A bitola do trem é estreita no Sul e de São Paulo para cima é uma bitola de 1,60 metro, então precisamos de reforma na logística para bitola larga aqui na região, onde se tem um poder de carga maior”, ele defende. Em paralelo às alterações da malha ferroviária, Dilvo Grolli se mostra esperançoso com o novo modelo de pedágio para o Anel de Integração do Paraná, previsto para novembro de 2021. Com isso, ele diz que os trechos pedagiados devem aumentar de 2.800 quilômetros para 4 mil, mas a um preço bem mais barato. As reformas não estão apenas no horizonte da estrada e da ferrovia. A Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (Appa) também irá investir para melhorar o escoamento da carne de frango e contribuir com a abertura de mais mercados. Para o mês de janeiro está previsto o início de uma obra que deve durar 18 meses para retirar pedras do fundo do mar localizadas em frente ao terminal de contêineres do Porto de Paranaguá. Luiz Fernando Garcia, diretor-presidente da Appa, explica que são 23 mil metros quadrados de material rochoso e, com a retirada, haverá maior segurança de navegação e uma elevação de até 13,5 metros de profundidade para que consigam operar. “A cada metro de profundidade do canal são mais 7 mil toneladas de granéis ou 120 contêineres extras por navio, então é muita diferença para um mercado tão competitivo. Assim, nós conseguimos atrair navios que hoje não atracam aqui por causa dessas restrições marítimas. Então você passa a ter uma oferta maior de embarcação”, projeta. Outra reforma prevista está no corredor de exportação. Composto por três berços alimentados por nove terminais, o descarregamento é fragmentado, resultando em 27 passagens de nível. “Com o novo projeto, os nove terminais vão descarregar em um ponto único e depois seguir para os terminais via esteira. Isso vai dinamizar toda a cadeia, não só a granel, mas reflete no contêiner e nos líquidos”, revela Garcia. Esse novo corredor de exportação poderá resultar, em grãos, em 4 mil toneladas por hora (atualmente é de 1,5 mil toneladas). “A diminuição de custo vai acontecer, mas a gente ainda não consegue precisar”, ele admite, dizendo que as reformas irão igualar Paranaguá aos portos de Santa Catarina e de Santos. Enquanto isso não acontece, a cadeia de aves do Paraná consegue economizar de 15% a 25% no valor de transporte da carga ao contar com o Terminal de Contêineres de Paranaguá, empresa privada que atua em 600 mil metros quadrados no Porto de Paranaguá. Segundo a TCP, o valor representa de R$ 20 a R$ 30 por tonelada de redução de custos na logística terrestre de exportação, pois, ao integrar a ferrovia ao porto, é retirado do processo o custo do caminhão. É o maior terminal de contêineres refrigerados da América do Sul e o único no sul do país com conexão interna com a ferrovia. Do quase 1 milhão de contêineres operados em 2020, Thomas Lima, diretor comercial da TCP, explica que 26% são refrigerados, os chamados reefers, e, destes, 78% são exportados com aves. “Ou seja, o Brasil é o maior exportador de frango do mundo e o TCP é o maior exportador de frango do Brasil, e também do mundo”. A TCP, em 2018, foi adquirida pelo grupo China Merchants Port Holding Company (CMPort) e, na época, já passava por investimentos de expansão da ordem de R$ 550 milhões. Se em cinco dias na estrada foi possível verificar todos esses esforços da cadeia avícola, Dilvo Grolli defende que o Paraná tem capacidade de expandir a produção e atender aos novos mercados que podem surgir. Mas, para isso, as reformas precisam sair do papel. Fonte: Revista Globo Rural